Triunfo do realismo é um termo usado por Friedrich Engels para se referir à Comédia humana, de Honoré de Balzac. Engels utilizou esse termo em carta, de abril de 1888, à escritora e jornalista socialista inglesa Margaret Harkness, a quem ele respondeu ao convite para comentar e criticar o romance A City Girl, de 1887. Ao avaliar o livro de Harkness, Engels expôs sua compreensão acerca da literatura realista. Nos termos dele, o realismo deve compreender, “além da fidelidade ao detalhe, a reprodução fiel de personagens típicos em circunstâncias típicas”.
Mais adiante, Engels criticou o romance socialista, ou romance de tese, caracterizado pela exposição direta das opiniões políticas e sociais do autor. Para ele, “quanto mais as opiniões políticas do autor ficarem escondidas, tanto melhor para a obra de arte. O realismo de que falo se manifesta inteiramente fora das opiniões pessoais do autor”. Portanto, Engels defende um realismo no qual não há interferência da consciência política do escritor no universo que ele constrói sob a forma de texto literário.
O maior modelo para a literatura realista, declarou Engels, está em A comédia humana. Segundo ele, a obra “oferece uma história maravilhosamente realista da sociedade francesa, sobretudo do le monde parisien [a alta sociedade parisiense], descrevendo, por meio de crônicas, quase que ano por ano, de 1816 a 1848, as incursões progressistas da crescente burguesia sobre a sociedade dos nobres, os quais se reconstituíram depois de 1815 e estruturaram outra vez, tanto quanto puderam, o padrão de la vieille politesse française [os antigos bons modos franceses]. Balzac descreve como os últimos remanescentes daquele modelo de sociedade sucumbiram de modo gradual antes da invasão do novo-rico vulgar e arrivista, ou foram corrompidos por ele — como a grande dame, cujas infidelidades conjugais não passavam de um modo de se afirmar em perfeita consonância com a maneira pela qual fora oferecida em casamento, entregou-se ao burguês, chifrando seu marido por dinheiro ou caxemira [cash or cashmere]. Em torno desse quadro central, Balzac agrupa uma história completa da sociedade francesa pela qual, mesmo nos detalhes econômicos — por exemplo, o rearranjo das propriedades imóveis e móveis após a Revolução — aprendi mais do que com todos os historiadores, economistas e estatísticos do período juntos” — o próprio Balzac se considerava um historiador dos costumes.
¶ O caminho para o intelecto precisa ser aberto pelo coração. A formação da sensibilidade é, portanto, a necessidade mais premente da época, não apenas porque ela vem a ser um meio de tornar o conhecimento melhorado eficaz para a vida, mas também porque desperta para a própria melhora do conhecimento.
— Friedrich Schiller, A educação estética do homem, carta 8
Outra característica relevante da teoria estética engelsiana, mais especificamente de sua crítica literária, foi a valorização do conhecimento científico e da sensibilidade artística. Para Engels, assim como para Karl Marx, a arte tem o mesmo valor e relevância que a ciência e o trabalho no processo histórico de humanização do ser social, ou, conforme asseverou Leandro Konder em Os marxistas e a arte, “o homem se humaniza tanto no raciocínio quanto na sensibilidade”. Assim, partindo da perspectiva de Marx e Engels, não há antagonismo entre ciência e arte na formação do ser social.
Isso se justifica por duas razões. Primeiro, “porque as duas faculdades só têm significação concreta na unidade da consciência como forças propulsoras do dinamismo psíquico”. Segundo, “porque elas cobrem áreas amplamente coincidentes na atividade psíquica. O homem mais inteligente tende a ser, globalmente, o mais sensível; e o mais bem-dotado de sensibilidade tem maiores possibilidades para o desenvolvimento de sua inteligência”. A afirmação de Konder não nega a particularidade entre a ciência e a estética. Embora tratarem do mesmo objeto, a realidade objetiva, elas não a apreendem e a transmitem da mesma forma.
Todavia, a arte oferece possibilidades de conhecimento tão ricas quanto a ciência. Engels reconheceu, em passagem da carta a Harkness, ter aprendido sobre o período da Restauração na França mais por meio da leitura da Comédia humana do que com os livros científicos de historiadores e economistas. Do mesmo modo, pode-se apreender a respeito dos problemas sociais do processo de urbanização brasileiro o fim do século XIX e início do século XX com a leitura de O cortiço, de Aluísio Azevedo, sobre as relações sociais que se constituíram durante o ciclo de produção do açúcar no nordeste brasileiro das primeiras décadas do século XX com a leitura de Menino de engenho, de José Lins do Rego, e, por fim, sobre a vida privada das classes médias cariocas de meados do século XX com Nelson Rodrigues.
¶ Tanto mais mundo o homem capta, tanto mais disposições ele desenvolve em si; quanto mais força e profundeza ganha sua personalidade, quanto mais liberdade ganha sua razão, tanto mais mundo o homem concebe, tanto mais forma cria fora de si.
— Friedrich Schiller, A educação estética do homem, carta 13
A partir dessas considerações, a proposta deste blog consiste em compartilhar com o leitor passagens, comentários, notas e reflexões sobre economia política, história e cultura, tendo por diretriz a concepção materialista da história, conforme fora formulada por Marx e Engels. No que diz respeito à literatura, tem-se por referência a teoria engelsiana do triunfo do realismo, que “pode ser considerada”, nos termos de Konder, “uma das formulações mais brilhantes da estética do materialismo dialético feitas por um dos fundadores do socialismo científico. Ela conduz a investigação do crítico marxista não ao inventário das ideias pessoais do artista, e sim à obra, com seu contexto específico de problemas, suas ideias e sua estrutura própria”.

Antoine Doinel (Jean-Pierre Léaud) acende uma vela para Honoré de Balzac no filme Os incompreendidos (François Truffaut, 1959).