RODNEY, Walter Anthony — verbete

RODNEY, Walter Anthony (guianense; 23 de março de 1942, Georgetown – 13 de junho de 1980, Georgetown)

Verbete concluído em 13 de outubro de 2023 e submetido aos editores do Dicionário marxismo na América, previsto para publicação no segundo volume do projeto. Para este post, fiz uma revisão pontual no manuscrito original e adicionei a relação completa da bibliografia consultada para pesquisa e redação.

Vida e práxis política

Historiador, marxista, pan-africanista e militante político socialista, Rodney foi professor, educador popular, escritor e ensaísta.

Neto de trabalhadores rurais, seu pai, Percival Edward Rodney, era alfaiate e sua mãe, Pauline, costureira. O segundo de cinco irmãos — quatro meninos e uma menina —, ele nasceu e cresceu na capital da Guiana, Georgetown, em um contexto de efervescência política no país, que, em 1953, realizou sua primeira eleição parlamentar autorizada pelo governo colonial, vencida pelo Partido Popular Progressista [People’s Progressive Party, PPP], e, em 1966, conquistou sua independência do Reino Unido. Seus pais eram membros do PPP, primeiro partido de massa da Guiana, multirracial e de orientação socialista. Desde muito jovem, Rodney os acompanhava em reuniões políticas e distribuía panfletos do partido.

Por meio de bolsa, cursou o ginásio na Queens College, escola voltada para a formação das classes médias e da burguesia do país. Embora fosse um dos primeiros estudantes oriundos das classes trabalhadoras na instituição, Rodney se destacou tanto acadêmica quanto atleticamente, formando-se com honras, o que lhe abriu as portas para estudar, também com bolsa, na Universidade das Índias Ocidentais, em Mona, Jamaica, onde cursou História entre 1960 e 1963. Ali, ele leu e estudou Jacobinos negros (1938), de C. L. R James, e Capitalismo e escravidão (1944), de Eric Williams, obras que fortaleceram seu interesse pela historiografia marxista e pela luta anticolonial.

Em 1960, visitou Cuba e a União Soviética. Suas impressões dessas viagens estão registradas em Walter Rodney fala (Walter Rodney Speaks. Trenton, NJ: Africa World, 1990).

Em 1963, mudou-se para Londres, onde realizou pesquisa de doutorado em História Africana na School of Oriental and African Studies, da Universidade de Londres.

Na metrópole inglesa, o marxismo de Rodney ganhou forma e consistência. Com um grupo de estudantes caribenhos, o doutorando frequentava semanalmente a casa de Selma e C. L. R. James, onde ocorriam debates acerca da política internacional, sob viés marxista. Também participava de atos políticos no Hyde Park a respeito da condição dos imigrantes caribenhos no Reino Unido e dos dilemas políticos da África e do Caribe.

Naqueles anos, bem como ao longo dos anos 1960 e 1970, movimentos nacionalistas e anticoloniais se fortaleceram no continente africano, com Gana proclamando sua independência do Reino Unido em 1957. De 1957 a 1963, 25 novas nações nasceram na África. A descolonização da África teve impacto nas colônias britânicas do Caribe, com a Guiana conquistando o autogoverno [self-rule] em 1961 e a independência em 1966, além da Jamaica e de Trinidad e Tobago em 1962. Nos Estados Unidos, emergiram os movimentos negros por igualdades civis. Rodney estava atento ao contexto político e à emergência de uma consciência negra [black awareness] na África e nas Américas. Assim, ele organizou suas habilidades acadêmicas para formular questões e soluções práticas aos problemas políticos do mundo negro, estudou a história caribenha e africana e o tráfico atlântico de escravizados.

Casou-se com Patricia Henry em 2 de janeiro de 1965. Patricia e Walter eram amigos de high school, mas só se tornaram próximos em uma festa de Ano Novo em 1960, em Georgetown, quando passaram a trocar cartas, ela de Londres, onde estudava Enfermagem, e ele de Mona, onde estudava História. Voltaram a se encontrar no verão de 1962, em viagem de Walter a Londres. Quando ele se mudou para Londres, em 1963, o casal se aproximou em definitivo. Além da afinidade romântica, o casal também compartilhava afinidades políticas, militando juntos na Europa, na África e no Caribe.

Tornou-se doutor em História em 5 de julho de 1966, aos 24 anos, defendendo a tese História da costa da Alta Guiné, 1545-1800 [History of the Upper Guinea Coast, 1545-1800]. No mesmo dia, tornou-se pai de seu primeiro filho, Shaka.

Embora com doutorado em uma universidade europeia de prestígio, Rodney, como um black scholar militante, optou por lecionar em universidades africanas e caribenhas, buscando dar função revolucionária ao estudo crítico da história nos países do terceiro mundo e entre os condenados da terra.

Entre 1966 e 1967 morou na Tanzânia, onde lecionou na Universidade de Dar Es-Salaam. Essa foi sua primeira passagem pelo país. Embora esteve lá por pouco tempo, Rodney aprofundou seus estudos a respeito da história da África, aproximou-se do movimento anticolonial africano e conheceu a ujamaa (fraternidade, em suaíli), experiência socialista e camponesa pioneira no continente. O termo ujamaa também serviu para nomear a ideologia orientadora do projeto socialista da Tanzânia.

Depois do Golpe de 1966 e da deposição de Kwame Nkrumah em Gana, a Tanzânia se tornou um novo polo de atração para os africanistas das Américas. Durante os anos 1960 e 1970, a Universidade de Dar Es-Salaam foi um dos mais importantes centros do pensamento radical na África. Muitos intelectuais e ativistas políticos passaram a gravitar em torno daquela universidade e daquele país, que, nos primeiros anos do governo socialista de Julius Nyerere, abrigou exilados políticos de todo o mundo e floresceu intelectual e culturalmente, além de apoiar as lutas anticoloniais no continente, colaborando na independência de Angola, Moçambique e Guiné-Bissau.

A Tanzânia — Tanganica antes da independência definitiva do Reino Unido, em 1962 — era governada pelo União Nacional Africana do Tanganica [Tanganyika African National Union, TANU], partido político socialista. Em janeiro de 1964, uma revolução de inspiração comunista derrubou o sultanato de Zanzibar, arquipélago próximo da Tanzânia, declarando a República Popular de Zanzibar. Ideologicamente alinhadas, Tanzânia e Zanzibar se unificaram em um Estado de partido único em abril de 1964, formando a República Unida da Tanzânia, que colocou a produção sob o controle dos camponeses e operários. Em 1967, foi assinada a Declaração de Aruxa, documento que codificou o sistema de cooperativas econômicas e planejou o desenvolvimento socialista do país.

Em 1967, Rodney retornou à Jamaica para lecionar História na Universidade das Índias Ocidentais, em Mona, muito próxima de Kingston, a capital do país. Patricia se matriculou em Ciências Sociais naquela universidade e trabalhou como enfermeira no hospital universitário.

Além das atividades acadêmicas, Rodney também se envolveu na vida comunitária da população pobre do entorno do campus, rompendo as fronteiras entre a universidade e as classes trabalhadoras locais. Durante aquele período, ele se tornou famoso nas redondezas e ficou particularmente próximo da comunidade rastafári. Em razão de sua crença, aparência e estilo de vida, os rastafáris eram vistos com desconfiança pelo governo, pela burguesia e pelas classes médias da Jamaica. Foi ali que ele praticou o grounding, debatendo política, Black Power, racismo, colonialismo, formando vínculos de solidariedade e amizade com as populações marginalizadas. Entre elas, Rodney não era só um professor de História, era também um aprendiz e um amigo.

Rodney previa que alguma insurreição popular poderia ocorrer no país em razão das injustiças políticas e econômicas impostas à população. E ele estava certo. Entretanto, não imaginava que seria ele uma das faíscas que iniciariam a revolta.

Em outubro de 1968, viajou para Montreal para atender ao Congresso de Escritores Negros. No retorno, foi impedido de entrar na Jamaica. O governo do primeiro-ministro Hugh Shearer, do Partido Trabalhista da Jamaica [Jamaica Labour Party, JLP] não só queria proibir o retorno de Rodney ao país, o declarando como persona non grata, como queria exonerá-lo de seu cargo na universidade. Uma manifestação estudantil em Kingston protestou contra a proibição do retorno de Rodney, na qual Patricia, então grávida, participou. Os manifestantes foram atacados pela polícia. Contudo, as manifestações se mantiveram por duas semanas. Manifestantes foram presos e muitos feridos e mortos. Milhares de propriedades foram destruídas e o Parlamento se viu obrigado a debater a questão social de sua população.

Mudou-se novamente para Tanzânia, em junho de 1969. Sua primeira filha, Kanini, nasceu em março de 1969. Asha, sua segunda filha, nasceu em 1971.

Antes de se fixar pela segunda vez na Tanzânia, Rodney passou alguns meses, entre 1968 e 1969, em Havana, onde aprendeu a respeito da experiência cubana e organizou alguns discursos e palestras proferidas na Jamaica, que seriam publicados, em 1969, como Groundings com meus irmãos (The Groundings with My Brothers. London: Bogle L’Ouverture), seu primeiro livro de impacto.

Na Universidade de Dar Es-Salaam, como professor de História, voltou-se para a vida acadêmica; colaborou em aldeias de camponeses e fazendas administradas por estudantes; escreveu para a Cheche (Faísca, em suaíli, como o jornal russo Iskra), revista discente e revolucionária; participou de atos acerca da Guerra do Vietnã, da luta pelo fim do império colonial português e do apartheid na África do Sul; visitou e palestrou por muitos países do continente (Egito, Gana, Maurício, Nigéria e Uganda), bem como nos Estados Unidos. Foi durante aqueles anos que Rodney estudou e reuniu material para a redação de Como a Europa subdesenvolveu a África (How Europe Underdeveloped Africa. London: Bogle-L’Ouverture, 1972), ainda hoje considerada sua maior obra.

Por meio de aulas, palestras e artigos publicados em Cheche, manifestou críticas ao governo de Nyerere, à ujamaa e ao caráter ainda burguês do ensino na Universidade de Dar Es-Salaam, que mantinha as aulas lecionadas em inglês, embora a maioria da população falasse suaíli. Suas críticas foram recebidas com antipatia pelo governo — o qual rebateu Rodney em The Nationalist, jornal oficial do país — e pela burocracia acadêmica. Por não ser tanzaniano, ele não se considerava capaz de contribuir de modo efetivo nos desafios do país, o qual sofria pressão econômica e política do mercado capitalista mundial contra as políticas socialistas e anticoloniais.

Em 1974, é indicado para o cargo de professor de História na Universidade da Guiana. Decide, com Patricia, retornar à Guiana, onde poderiam educar seus filhos em sua terra e cultura natais.

Todavia, seu cargo foi revogado pelo autocrático governo do primeiro-ministro Forbes Burnham, que comandou o país de 1964 a 1985.

Em 1974 passou a contribuir na Aliança dos Trabalhadores [Working People’s Alliance, WPA], organização socialista, multiétnica e democrática, de oposição ao governo de Burnham. Em 1979, o WPA se transforma em partido e declara que tem por objetivo a derrubada de Burnham e do Congresso Nacional do Povo [People’s National Congress, PNC], partido governante acusado de fraude eleitoral, violação dos direitos humanos e terrorismo de Estado.

O ativismo político de Rodney e Patricia os colocaram em uma lista de proscritos, inviabilizando que eles conseguissem emprego. Assim, Rodney passou a trabalhar como intelectual independente, dando palestras e cursos e publicando artigos na Europa e nos Estados Unidos. Embora sob a vigilância do Estado, manteve-se ativo politicamente, realizando atividades [groundings] entre os trabalhadores das plantações de açúcar e das minas de bauxita. Também realizava cursos populares respeito da história da África e do marxismo. Quando pressionado a mudar de país — em razão da perseguição política sofrida na Guiana —, ele respondia: “É imprescindível que eu fique aqui”.

Em 11 de junho de 1979, Rodney e outros militantes do WPA ficaram provisoriamente presos sob a acusação de incendiar, na madrugada daquele mesmo dia, o edifício do Ministério do Desenvolvimento Nacional e a sede do PNC. A partir de então a vigilância e as ameaças a ele e aos outros membros do WPA aumentaram e muitos foram assassinados.

Embora impedido de sair do país por ser réu no caso do incêndio, conseguiu viajar clandestinamente ao Zimbábue e participar das celebrações de independência do país, em abril de 1980, e se encontrar com o primeiro-ministro Robert Mugabe. As imagens de Rodney no Zimbábue e ao lado de Mugabe feriram o orgulho de Burnham. Mugabe o convidou a permanecer no país e organizar um instituto de pesquisa. Todavia, ele declinou da oferta e retornou à Guiana, mantendo firme seu compromisso em estar ao lado de seu povo e se defender das acusações de incendiário.

Em 13 de junho de 1980, sexta-feira, Rodney, aos 38 anos, foi assassinado pelo Estado em atentado à bomba dentro de seu carro. Uma semana antes de sua morte, ele havia participado de uma demonstração popular que reuniu milhares de manifestantes contra Burnham e o PNC. O funeral de Rodney teve a presença de milhares de pessoas, o que fez com que as forças policiais hesitassem em uma dispersão.

Em 2014, o Estado da Guiana formou uma comissão para investigar a morte de Rodney. Em agosto de 2021, mais de quatro décadas depois do assassinato, o Congresso do país votou pela adoção da Resolução nº 23, que implementava os resultados da investigação, a qual responsabiliza o Estado, com a anuência de Burnham, e Gregory Smith como o agente responsável pela execução do atentado.

Em 2006, a família de Rodney fundou a Walter Rodney Foundation (WRF), organização sem fins lucrativos dedicada a divulgar a vida e a obra de Rodney para estudantes, acadêmicos e ativistas políticos de todo o mundo. A WRF publica, desde 2014, o periódico científico Groundings e organiza anualmente, desde 2004, o Walter Rodney Symposium, sempre durante a semana de aniversário de nascimento de Rodney, 23 de março.

A coragem, o comprometimento e a integridade de Rodney ao longo de sua vida faz com que muitos o comparem a Franz Fanon, militante político caribenho pan-africanista que também morreu antes de completar quarenta anos. Como Fanon, Rodney convocou os povos da África e das Américas a lutarem pela emancipação do colonialismo e do capitalismo, superando os traumas de séculos de escravidão e humilhações sob o domínio do imperialismo e do capital. Em Rodney, vida e obra eram uma coisa só.

Contribuições ao marxismo

Rodney criticou e desafiou a historiografia conservadora, eurocêntrica e racista. Sua formação intelectual se deu tanto de modo formal (dentro do sistema educacional básico e superior) quanto informal (grupos independentes de estudos e debates e militância política). Mesmo quando manteve cargo de professor no sistema universitário na Jamaica e na Tanzânia, Rodney realizava atividades políticas fora dos campi, desafiando a ordem política e a burocracia acadêmica. No Caribe anglófono, essas atividades são chamadas de groundings, do verbo to ground, equivalente ao to reason, isto é, argumentar, debater, conversar, ou to educate ou to instruct, educar ou instruir. To ground é um compromisso, um engajamento que se faz entre pessoas próximas, amigos, brothers, praticado entre os negros da diáspora. É uma atividade comunitária de instrução e formação de vínculos por meio do diálogo e da amizade entre iguais. O grounding é mais que uma palavra, é uma prática e um modo de vida, solidário e humanizante, pelos quais Rodney viveu, ensinou e aprendeu.

Rodney foi um dos pioneiros, de origem afro-caribenha, a produzir uma historiografia econômica e social da África e do Atlântico, revelando o processo contínuo de exploração capitalista, iniciado nos primeiros contatos entre africanos e europeus no século XV. Para ele, a história da África a partir daquele século faz parte da história da formação do capitalismo e do mercado mundial; isto é, por meio do sistema capitalista, o Atlântico — a África, a Europa e as Américas — se tornou uma única entidade analítica.

Inovou também no modo pelo qual examinou a construiu a história dos africanos no Atlântico, buscando unir a história da África com a história dos negros nas Américas, tanto no período da escravidão quanto no do pós-escravidão, relacionando as classes trabalhadoras africanas com as classes trabalhadoras caribenhas.

Dois conceitos importantes em sua obra historiográfica são desenvolvimento e subdesenvolvimento. Por meio deles, ele investigou e desmistificou a relação de exploração colonial e imperial.

Concordava com a teoria do desenvolvimento desigual e combinado de Liev Trótski e a utilizava como chave para compreender o subdesenvolvimento da África e propor um projeto de desenvolvimento independente e socialista ao continente.

Para Rodney, desenvolvimento é um processo social que promove a capacidade de uma determinada sociedade em regular seu metabolismo com a natureza e com as sociedades vizinhas. Para isso, é necessário conhecer e dominar as leis da natureza (desenvolver saberes e ciência, técnicas e tecnologias).

A partir de uma visão panorâmica da história humana, ele compreende o desenvolvimento humano como progressivo e acumulativo: das ferramentas de pedra às de metais, a domesticação de vegetais e de animais, a organização e a disciplina social do trabalho etc.

Ao longo da história, muitas sociedades, em todos os continentes, demonstraram capacidade de desenvolvimento, a habilidade para dominar a natureza e extrair dela os produtos necessários à satisfação de suas necessidades de curto, médio e longo prazo. Logo, o desenvolvimento é uma característica universal das sociedades humanas. Mesmo havendo períodos de retrocesso, a tendência da história humana, defende Rodney, é o desenvolvimento material e intelectual, o aumento da capacidade produtiva do trabalho social. O desenvolvimento das sociedades humanas foi, em geral, gradual, não revolucionário, e desigual, em que algumas sociedades se desenvolveram mais rápido do que outras. As explicações para os diferentes níveis de desenvolvimento, argumenta ele, devem ser buscadas na história e na geografia, por exemplo, bem como nos aspectos superestruturais, como as leis e as religiões.

O subdesenvolvimento, por sua vez, não é a ausência de desenvolvimento. O conceito de subdesenvolvimento só faz sentido quando sociedades diferentes se relacionam. Os desequilíbrios nos níveis de desenvolvimento entre as sociedades podem produzir exploração de uma por outra.

No contexto em que Rodney viveu, essa relação desigual e exploratória se apresentava por meio do colonialismo e do imperialismo capitalistas.

As sociedades africanas, asiáticas e americanas se desenvolveram a seu modo e ritmo até os primeiros contatos sistemáticos com as sociedades europeias, as quais estavam em fase de transição do feudalismo ao capitalismo, por volta dos séculos XV e XVI. Quando isso aconteceu, estabeleceu-se uma relação de exploração capitalista entre elas (busca pela extração de mais-valor por meio da exploração do trabalho e da natureza). Para Rodney, essa relação só pode se dar de modo exploratório, o que condena os países da África, Ásia e Américas ao subdesenvolvimento, financiando o desenvolvimento econômico, científico e tecnológico da Europa.

Os países desenvolvidos — no contexto do capitalismo imperialista de meados do século XX — são industrializados, têm alta taxa de produtividade por trabalhador, os quais operam equipamentos de alta tecnologia e dispõem de alto nível educacional. Sua agricultura e mineração também são desenvolvidas e operam em modo e ritmo industrial. Os países subdesenvolvidos daquele contexto são produtores e exportadores de produtos agrícolas e minerais, sua indústria é pouco desenvolvida e atende a algumas necessidades locais. Por operarem com tecnologias defasadas, a taxa de produtividade de seus trabalhadores é baixa. Há também diferenças no desenvolvimento educacional e científico entre desenvolvidos e subdesenvolvidos. Os países subdesenvolvidos precisavam “importar” cientistas e técnicos. Aqueles também são expropriados das riquezas naturais (agrícolas e minerais) necessárias para seu desenvolvimento endógeno.

Rodney é contra o eufemismo em desenvolvimento [developing]. Segundo ele, dizer que os países do terceiro mundo estão em desenvolvimento (capitalista) omite o fato de que suas economias estão estagnadas ou aprofundando seu subdesenvolvimento a serviço dos interesses dos países centrais do mercado mundial capitalista. Para ele, não há como romper o subdesenvolvimento dentro de uma relação de exploração econômica. Os países da América, Ásia e África são subdesenvolvidos em prol do desenvolvimento da Europa e da América do Norte (Estados Unidos e Canadá).

Observa-se que as explicações a respeito da relação desenvolvimento-subdesenvolvimento de Rodney são fundamentadas na história economia e social de viés marxista, jamais em teorias deterministas, racistas e pseudocientíficas dos apologistas do capitalismo, denunciadas e desmontadas pelo historiador, desmistificando as origens do subdesenvolvimento da África. Ademais, ele rebate os mitos colonialistas de que a África teria obtido benefícios da colonização e do imperialismo europeus.

Com o processo de descolonização da África e da Ásia, entre as décadas de 1950 e 1970, o subdesenvolvimento e a exploração capitalistas deles não é superada, mas, segundo Rodney, adquire nova forma; isto é, passa-se do colonialismo para o neocolonialismo, produto de mudanças qualitativas do capital no pós-guerras: novo desenvolvimento científico e tecnológico; nova divisão internacional do trabalho; novo modelo de exploração das periferias do capitalismo (terceiro mundo). Por meio do neocolonialismo, manteve-se o subdesenvolvimento e a dependência econômica das ex-colônias; a administração local passa para as mãos de uma classe dominante local, que utiliza, por vezes, de retórica progressista, nacionalista e desenvolvimentista.

As pesquisas historiográficas de Rodney sobre a África dialogam com o Neocolonialismo, última etapa do imperialismo [Neo-Colonialism, the Last Stage of Imperialism, 1965], de Kwame Nkrumah, político pan-africanista e anti-imperialista de Gana. Ambos têm por objeto a relação África-Europa no desenvolvimento e subdesenvolvimento capitalista. Nkrumah investiga as formas contemporâneas do capitalismo (imperialismo e neocolonialismo), enquanto Rodney busca as raízes históricas desse modo de produção. A compreensão do passado apresentado por Rodney permite a compreensão da condição presente da África no mercado mundial capitalista. Segundo ele, o diagnóstico e as soluções aos dilemas da África no presente, e do terceiro mundo em geral, estariam implícitas na correta avaliação do passado. Mas há diferenças importantes entre a obra de Rodney e a de Nkrumah. Este considera os investimentos europeus na África como exportação de capital feita pelas potências imperialistas. Por sua vez, aquele considera que a origem real do capital imperialista é africana. Para o historiador guianense, foi a exploração do trabalho e da natureza do continente africano que originou o capital das burguesias europeias, o qual retorna à África sob a forma de “investimento estrangeiro” — isto é, foi a África quem produziu a acumulação e o excedente de capital, usados para os novos ciclos de exploração e expropriação de sua população e de seus recursos naturais.

De modo similar a Fanon, Rodney classifica o neocolonialismo como um processo de regressão, no qual (1) o poder político e econômico são concentrados nas mãos de uma pequena burguesia local; (2) a participação popular na política é limitada, ou controlada, por meio de retórica nacionalista e desenvolvimentista; (3) as populações locais são antagonizadas por meio dos conflitos étnicos e raciais; (4) a corrupção e a repressão política são institucionalizadas e sistematizadas; (5) as culturas locais (músicas, festas populares, vestuários) são vulgarizadas (cria-se um “folclore” e uma “tradição” nacionais) como instrumento de dominação da classe dominante; a qual (6) distorce deliberadamente os conceitos e objetivos revolucionários anticoloniais. Assim, Rodney classifica os países caribenhos anglófonos de ditaduras da pequena burguesia, operadas por meio de fraudes eleitorais e terrorismo de Estado. Os governos desses países governam por meio da repressão à população trabalhadora, aos sindicatos, aos jornais independentes e à literatura revolucionária dos intelectuais progressistas e da cultura popular (dreads e rastafaris). Por meio dos governos autocráticos, as classes dominantes e médias dos países de terceiro mundo defendem seus status, explorando a população trabalhadora local. A estagnação econômica nesses países produz altos índices de desemprego e imigrações para os países centrais do capitalismo.

As conclusões de Rodney acerca do imperialismo e do neocolonialismo são: (1) o capitalismo fracassou nas ex-colônias. Ele é incapaz de oferecer às populações do terceiro mundo aquilo que oferece aos trabalhadores dos países imperialistas, os benefícios das políticas de bem-estar social: bons empregos e salários, saúde e educação públicas universais e de qualidade; (2) o processo de acumulação do capital exige que os países imperialistas continuem subdesenvolvendo as ex-colônias; (3) o desenvolvimentismo capitalista é incapaz de romper com o subdesenvolvimento das ex-colônias, as mantendo como dependentes dos países imperialistas; (4) na Europa, a burguesia rompeu com o feudalismo e instituiu liberdades civis e políticas. Todavia, nas colônias e ex-colônias, as liberdades civis e políticas (a democracia) não podem ser aceitas plenamente porque colocam em risco a administração da exploração e a disciplina sob as classes trabalhadoras locais; (5) o fracasso econômico e político das classes dominantes imperialistas nas colônias está sendo repetido pelas pequenas burguesias das ex-colônias, as quais são incapazes de (re)construir o sistema produtivo nacional, estabelecer um sistema econômico integrado e resistente às oscilações do capitalismo internacional. As pequenas burguesias locais aprofundaram a má distribuição da riqueza entre elas e as classes trabalhadoras nacionais, além de imporem regimes ditatoriais sobre a população; (6) nenhuma forma de socialismo ou democracia podem ser conquistadas no Caribe sob os governos das pequenas burguesias; (7) por fim, só as classes trabalhadoras, sob governos socialistas, podem organizar e garantir o desenvolvimento econômico e a democracia política no terceiro mundo.

Rodney tinha confiança na superação do capitalismo por meio do socialismo. Ele identificava fraquezas no capitalismo, que levariam o sistema ao colapso: subutilização da capacidade produtiva; desemprego crônico; crises periódicas; e a miséria geral em meio à riqueza de alguns poucos. Esses elementos forçariam os trabalhadores do mundo a assumirem o controle de seu destino, superando uma economia que atenda aos interesses de mercado por uma que atenda às necessidades humanas. O socialismo seria o substituto lógico do capitalismo.

Por esse motivo, ele propunha a organização socialista da produção e da distribuição como meio para a África superar seu subdesenvolvimento. A independência deveria ir além da emancipação política — importante para demonstrar, ou revelar, a raiz do subdesenvolvimento africano: o capitalismo —, e prosseguir rumo à revolução social.

O subdesenvolvimento da África não se limitava à economia e à política, atingindo também a cultura, a ciência e a subjetividade de suas populações.

Rodney enfatiza o papel da educação colonial no subdesenvolvimento do continente. Por meio da educação, os colonizadores imprimiram sua ideologia na população africana, produzindo um subdesenvolvimento intelectual (técnico e científico) e moral (psicológico).

Os intelectuais africanos também têm que romper sua dependência do pensamento imperialista ocidental, ou europeu. Para tanto, deveriam se voltar para os camponeses e operários, isto é, deveria haver uma cooperação entre intelectuais e camponeses-operários.

Rodney se diferenciava de muitos acadêmicos e militantes políticos pan-africanistas de seu tempo ao enfatizar o caráter de classe das nações africanas, evidenciando os conflitos e as contradições entre as classes trabalhadoras e as elites políticas/oligarquias, sócias do colonialismo-capitalista e do imperialismo europeu.

Muito do que Rodney escreveu a respeito da história, do colonialismo, do imperialismo e do subdesenvolvimento africano deixou de ser novidade para os especialistas contemporâneos. Em parte, isso se deve ao esforço de intelectuais e militantes, como ele, em sistematizar e sintetizar cinco séculos de história da África, do Caribe e do Atlântico, a apresentando por meio de uma narrativa unitária, tanto para acadêmicos quanto para leigos.

Rodney também participou de debates acerca do stalinismo e dos rumos políticos da União Soviética. Ele rejeitava o uso da força no processo de coletivização das terras no país. Para ele, o uso da violência revolucionária é válido só no processo de transição das propriedades e do poder da burguesia aos trabalhadores. Uma vez que o governo proletário estiver instalado, o processo não deve mais ser violento, mas democrático.

A respeito da União Soviética e do stalinismo, há aproximações de Rodney com Trótski, em História da Revolução Russa (1930), C. L. R. James, Raya Dunayevskaya e Grace Lee Boggs, em Capitalismo de Estado e revolução mundial [State Capitalism and World Revolution, 1950]. Porém, diferentemente desses autores, Rodney é condescendente com algumas das políticas stalinistas — burocratização do Partido e do Estado, coletivização forçada, perseguições políticas de militantes comunistas —, as absolvendo em alguns pontos, argumentando que elas foram medidas pragmáticas, produto das derrotas revolucionárias na Europa da década de 1920 e do subdesenvolvimento industrial e agrícola da União Soviética. Concorda com eles acerca do culto à personalidade durante o stalinismo, denunciado no pós-1956, mas não aceitava que os erros políticos do país fossem depositados em Stálin ou em um pequeno grupo de dirigentes. Segundo ele, o stalinismo foi um processo social que envolvia muitas camadas da sociedade soviética devido às contradições de um país subdesenvolvido em uma corrida pela industrialização e desenvolvimento acelerado. Considerava a política externa soviética de seu tempo semelhante à de Estados capitalistas, sobretudo com as invasões da Hungria (1956), da Tchecoslováquia (1968) e com a relação conflituosa com a China.

Comentários sobre a obra

Groundings com meus irmãos (The Groundings with My Brothers. London: Bogle L’Ouverture, 1969) foi a primeira publicação de impacto de Rodney. O livro reúne seis discursos dele, registros de seu pensamento político em seu primeiro ano de trabalho como professor, na Jamaica, em 1968, aos 26 anos. Neles, o jovem historiador e ativista se posiciona a respeito de questões-chave da consciência negra, do Black Power, do papel social do intelectual e do acadêmico, dos dilemas políticos e sociais da Jamaica, da história da África, do colonialismo e de seu legado, da libertação colonial e da luta contra a brutalidade policial e o racismo no Caribe. É uma obra indicada para trabalhos em comunidades, cursos de graduação, ensino médio, sindicatos e educação popular.

Sua pesquisa doutoral, História da costa da Alta Guiné, 1545-1800 [History of the Upper Guinea Coast, 1545-1800], publicada em 1970 pela Oxford University Press, é ainda hoje um estudo seminal acerca da história da África Ocidental e do tráfico atlântico de escravizados. Em sua pesquisa, visitou arquivos na África Ocidental, Espanha, Itália, Portugal e Reino Unido. Para examinar as fontes no idioma original, ele aprendeu italiano e português — à época, já era fluente em espanhol. Rodney levantou novas questões a respeito das sociedades africanas da Alta Guiné do século XVI e do impacto do tráfico de escravizados na economia africana, estimulando em seu campo novas pesquisas e iniciando um debate marxista acerca da história da África e das relações comerciais África-Europa, as quais dedicaria o resto de sua carreira, e questões de desenvolvimento e subdesenvolvimento e a exploração colonial e imperial.

De acordo com Rodney, com a instalação dos postos comerciais capitalistas europeus na costa africana, no século XVI, o continente passou a organizar sua produção para atender às demandas econômicas da Europa, marco histórico do projeto de subdesenvolvimento da África e do desenvolvimento da Europa. Segundo ele, a iniciativa histórica partiu dos europeus, que atravessavam a transição do feudalismo ao capitalismo. Foi o sistema mercantil europeu que buscou expansão e incorporou a produção e o comércio africano no nascente mercado atlântico. Nele, o tráfico de escravizados foi fundamental para a acumulação de capital, o que permitiria, entre o século XV e o XVIII, o desenvolvimento técnico e científico na Europa e, depois, entre os séculos XVIII e XIX, a Revolução Industrial.

Como a Europa subdesenvolveu a África (How Europe Underdeveloped Africa. London: Bogle-L’Ouverture, 1972) permanece sendo sua maior obra. Por meio desse livro, resultado de anos de pesquisa, caracterizado por rigor científico, livre de academicismos e com retórica fluida e impactante, Rodney revolucionou o estudo da história da África, do colonialismo e do imperialismo, do tráfico atlântico de escravizados, dos conceitos de desenvolvimento e subdesenvolvimento, da história da formação e desenvolvimento do capitalismo e do mercado capitalista no Atlântico; isto é, da relação Europa-África-América.

Ao refutar as teses de que a subordinação e o subdesenvolvimento da África perante a Europa foi produto de uma propensão natural das sociedades africanas à estagnação econômica, bem como da tese da colonização e do imperialismo serem benéficos ao colonizado, Rodney retirou o véu dos mitos racistas e deterministas sobre a história do continente africano e do colonialismo europeu.

Embora seu objeto de estudo seja a África e os africanos, sua história da África foi lida e estudada fora do continente, como nas Américas, onde as populações de origem africana viviam sob a ideologia racista que os considerava como primitivos e inferiores. Ao desmistificar o determinismo racista europeu sobre a África, o livro contribuiu para a consciência negra em todo o Atlântico, elevando a autoestima dos afrodescendentes das Américas.

Sustentado em documentação e exame objetivo das fontes, Rodney não faz divisão maniqueísta e idealizada entre colonizador e colonizado. Ao estudar a história da África por meio do conceito de classes sociais e de lutas de classes, ele identifica a responsabilidade e a contribuição das classes dominantes nativas na colonização do continente e na exploração de sua população e de seus recursos naturais.

Apesar de não ter feito uso do vocabulário do feminismo, sua obra não ignorou as questões de sexo e gênero ao indicar a especificidade da exploração do trabalho das mulheres africanas sob o colonialismo, bem como a deterioração de seu status religioso e político anterior à colonização do continente pelos europeus.

A obra historiográfica de Rodney, tanto a acadêmica quanto a militante e de divulgação, está vinculada às contradições e aos conflitos políticos de seu tempo. Isto é, trata-se de uma obra que estuda o passado a partir dos desafios do presente, e não como um antiquário. Em Como a Europa subdesenvolveu a África, ele tem como ponto de partida a África no contexto de descolonização. Sua tese política é que o desenvolvimento africano só será possível por meio de uma ruptura radical do continente com o sistema capitalista internacional — o principal agente do subdesenvolvimento na África, na Ásia e nas Américas —, e que o modelo econômico a ser seguido pelas nações do terceiro mundo seria o socialismo, como fora feito na União Soviética e na China. Essa ruptura econômica com o mercado mundial deveria ser acompanhada de uma ruptura cultural das ideologias racistas dos colonizadores e das potências imperialistas.

Em português há duas traduções do livro: uma de Edgar Valles e outra de Heci Candiani. A primeira é portuguesa, de 1975, publicada pela Seara Nova, de Lisboa, baseada na primeira edição, da londrina Bogle-L’Ouverture. A segunda é brasileira, de 2022, publicada pela Boitempo, de São Paulo, baseada na edição da Verso, de 2018.

De volta à Guiana, Rodney se dedicou à pesquisa e à publicação da história do país em Plantations de açúcar na Guiana no fim do século XIX: uma descrição contemporânea a partir de “Argosy” (Guyanese Sugar Plantations in the Late Nineteenth Century: A Contemporary Description from the “Argosy”. Georgetown: Release, 1979.) e Uma história das classes trabalhadoras da Guiana, 1881-1905 (A History of the Guyanese Working People, 1881-1905. Baltimore: The Johns Hopkins University Press; London: Heinemann, 1981), publicação póstuma, editada por Franklin Knight e Richard Price, e com prefácio do amigo e escritor George Lamming, de Barbados. São obras a respeito da história econômica e social da Guiana a partir de pesquisa documental em arquivos, fontes orais e de metodologia marxista.

O manuscrito de Uma história das classes trabalhadoras da Guiana foi submetido por Rodney para a coleção John Hopkins Studies in Atlantic History and Culture, poucos meses antes de sua morte violenta. Era um projeto em dois volumes, embora apenas o primeiro pode ser concluído. Ele revisou as primeiras provas na cadeia, aguardando seu julgamento pelo incêndio de 11 de julho de 1979 ao edifício do Ministério do Desenvolvimento Nacional e à sede do PNC.

A perspectiva de Rodney nesses dois livros era da história a partir de baixo, dos trabalhadores — sobretudo negros e indianos — em sua luta contra os latifundiários [planters] e o parlamento imperial, os quais conspiravam juntos em favor da opressão das classes trabalhadoras do país.

A escolha pelo fim do século XIX e início do XX se deve por ele considerar que aquele foi o período de formação da economia moderna na Guiana, de suas classes trabalhadoras e das organizações políticas operárias, como os sindicatos, além da emergência das classes médias afro e indianas.

Por meio do nexo colonial e do sistema de plantation, o capitalismo se estabeleceu como o modo de produção dominante no país, que, no mercado mundial, tinha a função de atender às demandas dos países centrais por produtos agrícolas (açúcar e arroz nas plantations na costa), minerais (bauxita, ouro e diamante no interior) e madeira, condenando a Guiana e as demais nações do Caribe ao subdesenvolvimento característico das economias de exportação. Todavia, subdesenvolvimento não significa falta de avanço tecnológico e/ou estagnação econômica. A indústria açucareira da Guiana fez amplo uso dos avanços tecnológicos, o que garantiu o domínio do capital sobre o trabalho e a quase eliminação dos pequenos agricultores [small local planters] por grandes empresas estrangeiras [large foreign plantation companies], garantindo o domínio político dos capitalistas das plantations no país e gerando capital para os investimentos dessa classe em outros setores da economia, como a mineração.

Parte das classes trabalhadoras da Guiana tem origem em escravizados e ex- escravizados africanos. Seus descendentes se tornaram trabalhadores assalariados, trabalhando de modo temporário nas plantations, nas cidades e nas minas do país. Esse estado de constante migração do campo para as cidades e para as minas fez com que as classes trabalhadoras guianesas tivessem, segundo Rodney, dificuldades em estabelecer organizações permanentes. Durante muitos anos, os trabalhadores das docas foram dos poucos entre os proletários com experiência política coletiva e continuada.

O ano de 1905, de greves e rebeliões operárias, foi um marco na história da formação das classes trabalhadoras do país, e tiveram impacto na aliança, durante as eleições de 1906, entre elas e as classes médias contra os capitalistas das plantations.

Destaca-se no livro a atenção de Rodney às questões de raça, sexo e classe na formação das classes trabalhadoras na Guiana, formadas, em sua maioria, por negros e indianos.

Em 1990 é publicado Walter Rodney fala: a formação de um intelectual africano (Walter Rodney Speaks: The Making of an African Intellectual. Ed. de Robert Hill. Trenton, NJ: Africa World, 1990), transcrição de entrevistas de Rodney a Vincent Harding, Robert Hill, William Strickland e Howard Dodson do Institute of the Black World, de Atlanta. As entrevistas ocorreram em 30 de abril e 1º de maio de 1975, em Amherst, Massachusetts, quando Rodney passou um semestre, entre janeiro e maio daquele ano, lecionando no African Studies and Research Center da Universidade Cornell. Naqueles dois dias, o historiador discorreu acerca de sua biografia, infância na Guiana, posicionou-se a respeito da política internacional, do movimento anticolonial e do pan-africanismo, de Malcolm X e dos Panteras Negras, das tendências políticas na África, Ásia e nas Américas, racismo, negritude e Black Power. A intenção de transcrever e publicar as entrevistas, diz Hill, só ocorreu depois do assassinato de Rodney. As entrevistas se deram em forma de conversa entre os participantes. Visando manter a fluidez das falas de Rodney, as falas e interrupções dos entrevistadores foram deletadas. Assim, as falas de Rodney foram publicadas sem cortes, como um monólogo.

Em 2018, a editora marxista britânica Verso passou a publicar a obra de Rodney, republicando Como a Europa subdesenvolveu a África (How Europe Underdeveloped Africa. London, 2018) e Groundings com meus irmãos (The Groundings with My Brothers. London, 2019), além da inédita A Revolução Russa: sob a perspectiva do terceiro mundo (The Russian Revolution: A View from the Third World. London, 2018) e da coletânea Marxismo decolonial: ensaios da Revolução Pan-Africana (Decolonial Marxism: Essays from the Pan-African Revolution. London, 2022).

A Revolução Russa consiste em notas de Rodney preparadas para o curso Historiadores e Revoluções [Historians and Revolutions], ministrado na Universidade de Dar Es-Salaam durante o ano acadêmico de 1970-1. Por meio do curso a respeito da historiografia das Revoluções Francesa e Russa, Rodney visava apresentar aos estudantes o materialismo histórico [historical materialism] como metodologia de interpretação da história das revoluções, criticar a historiografia burguesa e seus conceitos liberais de objetividade e neutralidade, e tirar lições políticas para o terceiro mundo. Nele, a Rússia recebeu especial atenção por ter sido a primeira revolução socialista vitoriosa da história e por ser, antes da Revolução de Outubro de 1917, um país subdesenvolvido que, por meio do planejamento econômico, se tornou uma potência industrial e científica.

Os trabalhos de organização da publicação dos manuscritos de Rodney iniciaram nos anos 1980, logo depois de seu assassinato. Os manuscritos foram enviados para Barbados, onde sua família morava por razões de segurança. Depois, foram enviados para Los Angeles, onde ficaram sob a guarda de Ned Alpers, amigo dos Rodney e professor de História da África na Universidade da Califórnia. Os originais atualmente estão na biblioteca Robert W. Woodruff, do Centro Universitário de Atlanta, onde foram depositados por sua família em 2003.

Ainda nos anos 1980, Alpers, com a ajuda de Robin Kelley, então estudante de graduação, catalogou, organizou e transcreveu parte do material, sobretudo as anotações de Rodney acerca da Revolução Russa. As notas de Rodney indicavam que ele tinha a intenção de as transformar em um livro. Todavia, os trabalhos editoriais daqueles manuscritos ficaram latentes nas décadas seguintes, sendo retomados só em 2015.

Marxismo decolonial reúne ensaios dispersos de Rodney escritos nas décadas de 1960 e 1970 a respeito da descolonização da África e Amílcar Cabral, o marxismo e a historiografia africana, a ideologia terceiro mundista e o pan-africanismo, mercado mundial capitalista e a questão do desenvolvimento e do subdesenvolvimento, a pedagogia do colonizador e a nova pedagogia do descolonizado, e a transição capitalismo-socialismo na África e a experiência ujamaa na Tanzânia.

Durante seus últimos anos de vida, também escreveu literatura infantojuvenil acerca das origens e da história de cada comunidade étnico-racial da Guiana: Kofi Baadu fora da África (Kofi Baadu Out of Africa. Georgetown: Guyana National Lithographic Company, 1980) e Lakshmi fora da Índia (Lakshmi Out of India. Georgetown: The Guyana Book Foundation, 2000), ambos publicados postumamente. Esses faziam parte do projeto de Rodney em superar as fronteiras étnicas da Guiana e combater o racismo no país a fim de construir um projeto político e econômico socialista e multiétnico. Além dos dois livros mencionados, ele também planejava mais três: Fung-A-Fat fora da China [Fung-A-Fat Out of China], Adriaan Hendricks fora da Holanda [Adriaan Hendricks Out of Holland] e João Gomes fora da Madeira [Joao Gomes Out of Madeira].

Entre as obras a respeito da vida e da obra de Rodney, destacam-se: Walter Rodney: revolucionário e acadêmico: uma homenagem (Edward Alpers; Pierre-Michel Fontaine [Ed.]. Walter Rodney: Revolutionary and Scholar: A Tribute. Los Angeles: Center for Afro-American Studies, 1982), coletânea de ensaios a respeito das contribuições de Rodney à historiografia e à política no terceiro mundo; e Walter Rodney: uma promessa de revolução (Clairmont Chung [Ed.]. Walter Rodney: A Promise of Revolution. New York: Monthly Review Press, 2012), série de depoimentos de amigos, colegas e camaradas a respeito do historiador pan-africanista.

Em 1998 é publicado O pensamento intelectual e político de Walter Rodney (Walter Rodney’s Intellectual and Political Thought. Detroit: Wayne State University Press, 1998), do cientista político jamaicano Rupert Lewis, obra extensiva e sistemática acerca do legado de Rodney às ciências sociais e à política caribenha e africana.

Entre os documentários, deve-se mencionar: No ruído selvagem do céu: um documentário sobre Walter Rodney, PhD (In the Sky’s Wild Noise: A Documentary on Dr.  Walter Rodney. Direção e produção: Victor Jara Collective. New York: Autonomedia, 1983), baseado em entrevista de Rodney realizada na Guiana em 1976, e Histórias de W.A.R.: Walter Anthony Rodney (W.A.R. Stories: Walter Anthony Rodney. Direção: Clairmont Chung. Newark, NJ: Roots and Culture, 2010), acerca da vida de Rodney, narrada por meio de entrevistas com amigos, pesquisadores e militantes políticos.

Além de pesquisas historiográficas e documentários, a vida de Rodney também inspirou poesia. Movido por seu assassinato, Kamau Brathwaite, historiador e poeta de Barbados estudioso das culturas afro e indígenas do Caribe, escreveu “Um poema para Walter Rodney” (“A poem for Walter Rodney”. Index on Censorship, Abingdon-on-Thames, v. 10, n. 6, 1981). O poema tem ritmo e sintaxe coloquiais e musicalidade baseada no reggae.

Bibliografia

Indicações de leitura sobre a vida e a obra de Walter Rodney

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RODNEY, Walter. Contemporary Political Trends in the English-Speaking Caribbean. The Black Scholar, Sausalito, CA, v. 7, n. 1, Sept. 1975. Dossiê: Black Diaspora.

THE WALTER Rodney Murder Mystery in Guyana 40 Years Later. Ed. by Mary Curry. National Security Archive, Washington, DC, 13 June 2020.

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Bibliografia consultada para pesquisa e redação

Obras de Walter Rodney (autor e entrevistado)

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THE POWER OF A STORY: WALTER RODNEY WITH CLAIRMONT CHUNG. Jamaica: DSE Jamaica, 2012. YouTube (30 min). Entrevista com Clairmont Chung, diretor de W.A.R. Stories: Walter Anthony Rodney e organizador de Walter Rodney: A Promise of Revolution. Entrevistadora: Donisha Prendergast. Programa: Conversations: “It All Begins with a Story”.

THE VICE-CHANCELLOR’S FORUM ON THE LIFE AND WORK OF WALTER RODNEY. Mona: UWITV, 13 jun. 2020. YouTube.

THE WALTER RODNEY MURDER MYSTERY IN GUYANA 40 YEARS LATER. National Security Archive, Washington, DC, 13 jun. 2020.

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W.A.R. STORIES: WALTER ANTHONY RODNEY. Direção: Clairmont Chung. Newark, NJ: Roots and Culture, 2010. 1 videodisc (DVD) (90 min) : sound, color; 4 ¾ in.

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WALTER RODNEY PUBLIC FORUM. Mona: UWITV, 6 jul. 2016. YouTube.

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